Moda e Revolução!

Moda e Revolução!

Começa amanhã, 19 de abril e vai até 25 de abril, mais uma edição da Semana Fashion Revolution organizada em mais de 100 países para questionar a indústria da moda, seus processos, suas mazelas, cobrar transparência e ações que tornem a moda mais ética, justa e consciente respeitando direitos humanos e ambientais.

O movimento Fashion Revolution surgiu após uma grande tragédia que deixou 1100 mortos e mais de 2500 feridos. Todos trabalhadores da indústria da moda que estavam em mais uma jornada de trabalho no Rana Plaza, prédio que abrigava confecções em Bangladesh. Isso aconteceu em abril de 2013 e foi o estopim para que profissionais da moda se reunissem e questionassem toda a cadeia produtiva.

Quem me conhece sabe que sou apaixonada por moda desde criança e que sempre vi a moda de forma mais ampla, nunca como futilidade, mas como agente transformador da sociedade por ser um veículo de expressão individual e de grupo, por ser comportamento, autoconhecimento, arte e cultura, por ser comunicação (minha outra grande paixão desde sempre).

E minha alma é revolucionária, segundo meu pai eu resolvi ser revolucionária ainda na barriga da minha mãe, ao assistir, pelo umbigo, ela depor no DOPS. Eu nasci em plena ditadura militar e minha mãe tinha feito movimento estudantil durante sua graduação em Psicologia, pelo Sedes Sapiens (PUC). Ela foi da segunda turma de psicologia do país, colega de classe da Marta Suplicy e fazia movimento estudantil na mesma época de José Dirceu, Serra, entre outros.

Em 1970, grávida de mim, e já longe dos movimentos estudantis, ela foi chamada a depor no DOPS. E eu vendo aquilo tudo, pelo umbigo, decidi: vou ser revolucionária, porque que povo bizarro e sem noção é este!

Brincadeiras a parte, mas minha mãe foi orientada por advogados conhecidos da família, e escolheu um look bem “moça de família “, patricinha mesmo, até chapéu ela usou. E destaco esse ponto para falarmos sobre algo fundamental ligado a moda: a imagem que transmitimos através das roupas.

As roupas finas, o chapéu e as luvas (que também usou) não são roupas associadas ao estereótipo da mulher ativista social, geralmente descritas como mulheres sem vaidade, que se vestem de forma desleixada, meio hippie.

O fato é que desde criança gosto de jornalismo, escolhi que seria jornalista, aos 4 anos, para ajudar a mudar o mundo, transformar num mundo melhor, sem tanta desigualdades e preconceitos. Também gosto de moda desde criança, adorava ver o bom gosto de minha avó materna, que não era costureira de profissão, mas costurava muito bem e fazia chapéus também.

Uma das coisas que me arrependo na vida é de não ter tido paciência para aprender crochê com minha avó paterna e tricô com minha avó materna. Enfim…

Fui uma adolescente metida a intelectual, chegava a ser arrogante as vezes. Livros eram meus companheiros diários e revistas importadas de moda também. E nessa pegada fui aprendendo sobre moda e estilo, vendo como comportamento e cultura, como forma de expressão.

Ainda na adolescência, meu pai brincava que eu gastava toda minha mesada comprando livros, revistas e roupas.

Aos 15 anos deixei a costureira do meu vestido de debutante completamente maluca com minhas invenções. Meu vestido tinha a estrutura de um modelo que vi numa revista gringa, com mangas bufantes de outro modelo de outra revista e o colo de outro vestido. E eu bati o pé que ficaria bonito!

Meses depois da minha festa de debutante minha avó paterna morreu e eu temei com minha família que fazia questão de ficar com uma blusa de crochê que era dela. Minha tia questionou pra que eu queria uma roupa de gente velha e falecida? Respondi: crochê não é de velha e eu vou usar do meu jeito. Hoje, tenho 50 anos, e ainda tenho minha blusa de crochê que era da vovó.

Em 1990, as faculdades de moda estavam começando no Brasil, e eu sabia que queria estudar Jornalismo. Prestei também psicologia e optei por cursar Jornalismo na Universidade Católica de Santos (Unisantos). Foi uma das melhores decisões da minha vida até aqui.

Entrei em 1990 e logo me envolvi com o movimento estudantil, o DA (Diretório Acadêmico) e diariamente precisava desconstruir um pouquinho o estereótipo associado a mulher ativista.

Eu já gostava de moda, já tinha meu estilo, um estilo próprio, meio Radical Chic, meio rock’n’roll, meio casual, as vezes sensual, mas praticamente nunca um visual desleixado tipo hiponga que não toma banho (como falavam de muitos hippies na época), além de moda, gostava de baladas e como estudava a noite costumava ir assistir aula já pronta para emendar o bar e a balada. E fazia movimento estudantil. A galera pirava com minha atitude revolucionária associada ao visual moderno, fashion.

Em 1991 fui eleita presidente do DA e aí o julgamento sobre minhas roupas aumentou ainda mais. E na maior parte das vezes eu dava risada dos comentários maldosos que uma “patricinha” moradora do Gonzaga não podia estar militando no movimento estudantil com aqueles trajes, minissaia, tops, regatas…

Como acontece até hoje quando querem desqualificar mulheres em posição de destaque eu era vista como a libertina que morava sozinha no Gonzaga, tinha vários parceiros (bem menos do que diziam), era adepta de menage a trois com o vice-presidente do DA e sua namorada da época, me vestia de forma fashion, cheirava pó (como ela consegue morar sozinha, fazer estágio, estudar, ser presidente do DA, viver no boteco e nas baladas e ainda arrumar tempo pra cuidar da beleza e do visual e sair com os caras?).

Parece desconexo, mas não é. Roupas mostram quem somos, mas também são interpretadas por outras cabeças que possuem outras referências e as vezes preconceitos.

Muitos interpretavam que o fato de eu gostar de moda e beleza não me dava credencial para querer ser revolucionária e transformar o mundo. Como uma revolucionária pode sair por aí militando vestindo minissaia ou vestido ao invés de calça ou bermuda? Como a ativista vai pra reunião com opositores com look que mostra pernas, colo, braços? Como a ativista depila axilas, pernas, buço?

Para mim nenhuma destas questões faziam muito sentido porque eu me visto de mim mesma, com roupas e acessórios que escolho pelo design, pelo conforto, pelo material e também pela mensagem que quero passar. E ser revolucionária não me impedia de usar o que quisesse, mas essa era a minha visão.

Quando me formei, fiz um cruzeiro para o Caribe com minha avó materna, aquela que amava moda, costurava e até chapéu fazia. Um mês de cruzeiro, tinha toda uma pompa preparar as malas para um cruzeiro (que na época era algo chique) com beachwear para piscina e praias, roupas casuais para os passeios em terra e roupas de festa para os jantares de gala, roupas para baladas no navio, etc). O navio passava também por Miami e News Orleans então precisei tirar o visto para os Estados Unidos. Uma novela e um erro na escolha da roupa para ir ao consulado. Recém-formada, mega orgulhosa de ser jornalista, na época tinha aderido ao look mais hippie e fui no consulado com um vestido indiano (que era um dos meus queridinhos no momento) e na hora de falar a profissão enchi a boca para dizer: Jornalista!

Dois erros que renderam algumas dores de cabeça: o look inadequado para quem queria tirar um visto para os Estados Unidos e ser jornalista não é muito bacana na hora de tirar vistos… jornalistas sao vistos como os fofoqueiros que văo fazer o que no país, além do fato de ser jovem, solteira, sem carro ou propriedades, ou seja, perfil de quem poderia ir pra lá querendo ficar ilegalmente. Conclusão: nao queriam me dar o visto. Só consegui depois de levar uma carta do médico da minha avó dizendo que ela não tinha condições de viajar sozinha e eu era a acompanhante dela. Ganhei um visto com a observação de que só poderia circular nos Estados Unidos acompanhando minha avó.

Mais tarde fui morar em Londres e queria estudar moda, mas não rolou, o que fiz foi uma pós-graduação English with Design and Media, no South Thames College. Antes de voltar ao Brasil dei uma mochilada pela Europa e em Roma vivi uma situação hilária. Só tive problemas em Roma e decidi antecipar minha ida para Firenze (Florença). Comprei a passagem do trem, só que tinham duas opções de trem. Fiquei calmamente aguardando na plataforma do trem que havia escolhido, junto com um casal de canadenses que conheci na estação. O trem não apareceu e fomos reclamar para um funcionário, super grosso, que falou que aquele trem só no outro dia, e que para viajar no mesmo dia precisava pagar a diferença para o outro trem mais uma multa não lembro de que. E eu, até então contra o famoso jeitinho brasileiro, de quer tirar vantagem em tudo (abomino a lei de gérson, mas…), irritada com a grosseria do romano não fui trocar a passagem, mas estava decidida a embarcar, não queria ficar mais em Roma.

Não validei minha passagem antes de entrar no trem e agora o fato que fez essa história vir parar aqui. Escolhi uma cabine acima de qualquer suspeita: uma nona cheia de ouro, uma senhora de tailler e joias, um executivo de terno e eu, jovem mochileira de jeans, camiseta e tênis. Fui conversando com o executivo (as mulheres não falavam inglês), falei que todo brasileiro ama a Itália, etc, que era estudante em Londres e que não podia voltar para o Brasil sem conhecer a Itália, que estava indo encontrar amigas que moravam em Firenze. Quando o inspetor passou para conferir as passagens atuei como atriz, me fiz de desentendida, de confusa, cabeça de vento que confundiu os trens. O executivo pediu para o inspetor não pegar pesado comigo, uma jovem brasileira apaixonada pela Itália que estava mochilando, sem muito dinheiro, enfim, lembram que não tinha validado a passagem antes de entrar no trem? Quando o inspetor percebeu isso, acreditou no meu desespero de cabeça de vento confusa e não me cobrou a multa afinal ninguém saberia que tinha embarcado naquele trem.

Todas essas histórias para ilustrar a importância da moda, das roupas na construção da imagem pessoal. E para finalizar: quando minha vó materna faleceu, em 2000, fiz uma lista das roupas dela que fazia questão de ter e fiz minha mãe negociar com as irmãs aquelas peças para mim (a alegação: eu efetivamente usaria as roupas que eram da vó e não venderia para brechós etc). Consegui quase todas que queria e até hoje visto peças do baú da vovó Lydia e geralmente as pessoas amam! Tenho um cuidado enorme com todas minhas roupas, mas especialmente com aquelas do baú da vó.

E não é que o movimento global criado para questionar a indústria e pressionar para que a moda tenha transparência, seja justa com os trabalhadores (na maioria mulheres), se adeque a produções menos nocivas ao meio ambiente, valorize as pessoas local e globalmente faz a convocação para a Revolução da Moda?

Estou muito feliz de poder participar da Revolução da Moda atuando como representante do Fashion Revolution Brasil em Santos e tendo participado ativamente da criação das ações da programação especial da Baixada Santista durante a Semana Fashion Revolution junto com um grupo maravilhoso de mulheres que fazem moda ética, consciente, regenativa na região.

E nessa pegada e Moda e Revolução criamos o Coletivo Revoluciona Moda 013 que está no Instagram @revolucionamoda013 e no YouTube.

A sensação que tenho é que finalmente faço parte de um grupo que acredita no poder revolucionário da moda.

A programação da Semana Fashion Revolution vou colocar em outro texto, mas já confere lá no Instagram Revoluciona Moda 013.